terça-feira, 1 de setembro de 2015

A PENOSA TRAJETÓRIA DE UM SAMURAI



Por:Hds.



É no mínimo estranho que depois de tantos anos dos mangas sendo publicados no Brasil,e de terem se confirmado como um estilo ágil e empolgante para toda uma nova geração de leitores existam tão poucas histórias sobre os samurais que efetivamente deram certo no nosso mercado.

Acredito que isso se deu pelo fato de,no início,serem lançados somente mangas ligados aos animes exibidos nas redes de TV.Ali predominavam o estilo shonen com Dragon Ball,Yu Yu Hakusho e Cavaleiros do Zodíaco.Temas como período dos Samurais só seriam explorados quando o público desse material fosse amadurecendo.

A editora Conrad que foi justamente quem iniciou o boom dos mangas no Brasil,também foi a primeira a lançar séries no estilo Gekigá ou Seinen como são chamados atualmente.E o primeiro título nessa linha a surgir foi Vagabond.

O manga de Takehiko Inoue lançado em 1998 é baseado no livro de Eiiji Yoshikawa;Musashi,e conta a história do samurai mais famoso do Japão.Logo de cara o autor fez questão de deixar bem claro que a saga de Miyamoto Musashi não seguiria fielmente a história oficial dos livros de escola e nem mesmo a da versão de Eiiji.

Apesar disso,o manga apresenta  uma qualidade de artes e roteiros excelentes e fisgou diversos prêmios dentro e fora de seu país de origem.Os desenhos de Inoue são absurdamente detalhados e entregam um conjunto de narrativa  belíssima.Cenários ricamente ilustrados dão um clima de passagem de tempo lenta e contemplativa.As sequências de lutas são dinâmicas e transmitem uma tensão que insiste em ficar suspensa no ar.Como se o resultado das mesmas fossem sempre o mais dramático possível.E tudo isso sem necessariamente “seguir a história dos documentos oficiais”.


A ideia da Conrad de trazer justamente Vagabond para as bancas brasileiras não poderia ser mais acertada,estabelecendo um precedente para os títulos adultos publicados entre os quadrinhos japoneses aqui.

Mas alguns problemas na trajetória da revista começaram logo cedo.Pois,se a editora da revista Herói foi a pioneira em vários detalhes que seriam aclamados pelos leitores(como a publicação em sentido ocidental,padrão de qualidade bom e tradução passável respeitando a língua nativa dos mangas),também foi ela quem trouxe outras conhecidas dores de cabeça aos leitores(como o mal-fadado meio-tanko,censura descabida e cancelamentos sem o menor aviso nem respeito com os consumidores).

Algumas pessoas acham o desenvolvimento dos arcos lentos demais.Outras entendem que é melhor assim,pelo fato de permitir uma progressão quase que “degustativa” da atmosfera ambientada no Japão antigo.Por isso mesmo,a decisão de publicar uma jornada tão longa(e já naquela época sem previsão de acabar)em meio volume da versão japonesa foi uma ideia burra logo de cara.

É fácil pensar que o que ajudou a Conrad a se estabelecer no mercado foi a qualidade inegável que colocava em suas edições(boa parte delas em papel off-set).Mas liberar edições de apenas cento e poucas páginas por mês tornava o acompanhamento delas ainda mais arrastado e frustrante.Publicar arte de Takehiko Inoue em papel jornal ou couché deveria ser considerado um crime(sendo que seu desenho refinado e detalhista fica espetacular num papel o mais branco possível).Então seria melhor(mesmo na certeza de um aumento considerável no preço de capa)ter lançado logo em volumes completos.E com essa atitude poderia ter-se aberto até um precedente para títulos do gênero adulto.

A primeira série da revista durou exatas 44 edições mensais até ser bruscamente interrompida para que uma nova fosse iniciada,em papel pólen e formato(alardeado como o melhor do mundo em acabamento até então)e luxo custando R$25,00.A exemplo de DragonBall,Vagabond sairia em Kanzenban(o que seria no caso o ”volume definitivo”)e acabaria sendo igualmente cancelada.Sacaneando completamente os leitores que acreditaram na editora ao ponto de pagar o ostensivo preço cobrado.

É muito importante prestar atenção no fato de que ao longo do histórico desse mercado,o comprador de quadrinhos brasileiro foi irresponsável e cinicamente ferrado com decisões imbecis e egoístas como essa.Alguma vez os donos de empresas como a Abril,Conrad,Globo ou JBC pensaram que tudo que elas tem;locações,equipamentos,máquinas,energia,água,salário dos funcionários e etc,saem do bolso de crianças e adolescentes.Que inocentemente,esses mesmos consumidores depositam sua confiança(muitas vezes não merecida!)nas revistas simplesmente por pura paixão pelos personagens mostrados ali?

O mais impressionante nisso tudo é que a Conrad não cancelou o manga pela questão da proximidade com os volumes japoneses,e sim por que simplesmente quis!Algo do tipo;Ah!vocês estão comprando isso aqui há anos religiosamente?Danem-se!Resolvemos ordenhar a licença do título de novo e deixaremos todo mundo chupando o dedo como um bando de idiotas!Respeito ao leitor pra quê,né mesmo?Quadrinhos são um PRODUTO como qualquer outro dentro dos mercados e indústrias brasileiras.Mas,para as editoras,os leitores nunca foram CONSUMIDORES e elas acham que podem arrancar dinheiro deles com manobras completamente escrotas e desonestas.Afinal de contas crianças não costumam reclamar ou dar queixa no Procon quando são lesadas,certo?

Sendo assim,quem gostava das andanças do samurai de Takehiko Inoue ficou num labirinto sem saída com uma coleção gigantesca emperrada no número 44.E outra coleção cara descontinuada ainda no número 14.Que bela merda hein,dona Conrad?

Então,depois de quase CINCO longos anos temos a alegria de ver o retorno do manga pela Nova Sampa.Ela fez questão de anunciar com o aval de Marcelo del Greco(que havia entrado no time da editora após ter saído da JBC),que seria respeitado o formato dos encadernados da Conrad,só que custando agora “agradáveis “ R$40,00.Muita gente deve ter pensado;”Bom,pelo menos ela vai ser continuada...”.Mas,parem pra pensar no rastro de asneiras que foi feito até agora!De que jeito podemos dizer que a publicação de Vagabond foi sequer proveitosa para os pobres coitados que tiveram a ideia de acompanhá-la?

Pra piorar tudo ainda mais o próprio Marcelo del  Greco voltou para a JBC.Ou seja,uma das pessoas responsáveis por trazer a revista de volta pulou fora do manga,quem ocupa o lugar  dele agora é Douglas Souza.Cujo primeiro anúncio sobre a revista no Anime Friends 2015 foi de que sua publicação está suspensa pelo fato de ter vendido ridiculamente mal(segundo ele perto de 300 exemplares).Notem que a editora não conseguiu trazer a versão meio-tanko,deixando quem a tem com uma coleção inútil.Será que alguns deles ainda acreditam que um dia ela vai ser completada?Duvido muito.

Dentro deste cenário desolador temos uma editora incompetente que gerou uma verdadeira bola de neve grotesca e quase impossível de enfrentar.Uma passagem de direitos autorais desastrosa,sendo que a Sampa sequer conseguiu prosseguir com as histórias.E considerando que a atual crise econômica empurrou as principais empresas do ramo de bancas e livrarias para uma situação complicada,a Sampa terá ainda mais buracos pela frente para tropeçar.

E depois de toda essa tragicomédia ainda é possível dar risadas(mesmo que involuntárias)de alguns leitores e “formadores de opinião” no mercado de quadrinhos que insistem em defender essa ou aquela editora.Vagabond não é nenhum caso especial,mas somente mais um entre os diversos casos de quadrinhos que receberam um tratamento de descaso.E que,em casos como o da cultuada Preacher da vertigo,ficou a cargo do velho jogo de empurra-empurra dos mesmos tratantes de sempre do mercado editorial no Brasil.

É necessário que os leitores de hq’s,sejam de DC,Marvel ou mangas,aprendam com esses reprováveis exemplos.Tentem perceber o quanto uma editora precisa ser desorganizada para fazer com que um sucesso no mundo inteiro,como é essa história,fracasse desse jeito!.Ao invés de achar que "isso é coisa do mercado nacional".E parem de aceitar que os problemas como cancelamentos,formatos toscos,preços impraticáveis e planos editoriais destrambelhados sejam transferidos para justamente quem não tem nada a ver com isso;o leitor.

Agora nos resta torcer para que o autor não se recuse por um longo tempo a liberar os direitos,tendo em vista o passado lamentável de fracassos anteriores.Talvez alguma editora,mesmo que não seja a Nova Sampa,resolva Lançá-la em formato igual ao de sagas como Berserk e Rurouni Kenshin(papel off-set e preço entre 14,90 e 16,90),que são bem mais viáveis para uma série com a qualidade de Vagabond.Eu ainda espero ter o prazer de saber onde termina a jornada de Musashi.


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